terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Sobre educação, alma e liberdade (não necessariamente nessa ordem)

Nosso corpo é o senhor da clausura. Nossa alma é a senhora da liberdade. Nosso corpo integra o conjunto de tudo o que é materializado, e como tal, está preso em limites de tempo e divide espaço com tudo que é material. Nossa alma é o infinito, e como tal, não integra o conjunto de tudo o que existe em estado concreto nem divide espaço com coisa alguma. Nossa alma é, ela mesma, tudo o que existe. Integrar um conjunto é muito diferente de ser o conjunto. E nossa alma é o conjunto primordial. Nossa alma é o conjunto que contém diversos outros conjuntos, entre eles, o conjunto do mundo material.Dessa forma, não é o corpo que contém a alma. Ao contrário, a alma é que contém o corpo. Essas afirmações, que parecem tiradas de alguma palestra espiritualista ou livro de auto-ajuda popular, na verdade é mera questão de ponto de vista, uma maneira simples de apontar o foco da mente e do sentimento na direção da liberdade. Quando a emoção humana se aproxima dessa compreensão, a palavra liberdade ganha contornos mais nítidos e tudo o que parece abstrato fica ao alcance das mãos.Esse pensamento é quase óbvio e há claras analogias a ele em nosso cotidiano: quando nos deixamos escravizar pelo dinheiro, por exemplo, nossa vida social se torna encarcerada em condomínios de luxo e carros blindados. É exatamente assim que fica nossa alma quando vivemos em função do corpo, quando impomos limites materiais para exercer nosso papel de seres espirituais. É como prender um pássaro numa pequena gaiola. Pior. É como enclausurar um pássaro numa caixa de sapatos.Acreditar que o corpo possui uma alma é deixar a alma trancafiada no escuro, com pequenos orifícios por onde ela respira com dificuldade. É mantê-la viva sob tortura constante, convivendo tragicamente com seu desejo mais natural: voar em liberdade plena, pois assim ela é. Processa-se então, irremediavelmente, um distanciamento de alma e corpo e uma confusão primária de pontos de vista: ao invés de enxergarmos o corpo com os olhos imensos da alma, passamos a colocar nosso olho biológico no buraquinho da caixa de sapatos, para tentar enxergar a alma. Mas não é possível. Aos olhos físicos a alma é invisível e sua presença é nebulosa dentro da caixa sombria. O ser humano que olha com os olhos do corpo não pode vê-la. Não pode ouvi-la, pois o pouco de ar que circula na caixa precisa ser racionado. Para tanto, a alma deixa de falar. E tampouco pode senti-la, impedido o tato pela tampa de papelão.Essa inversão de ponto de vista talvez não fosse tão grave caso existisse a possibilidade de esquecer completamente a existência da alma. Se fosse viável viver a vida física sem a substância espiritual em paz e harmonia. Mas não é possível.A alma permanece dentro da caixa e, mesmo invisível aos olhos, nos alerta para sua existência. Sua presença é constante em nosso subconsciente e nos informa que há algo a ser resgatado, que há algo a ser resolvido, que há algo a ser descoberto. É o eco distante que persegue os ouvidos de quem abandona um filho, de quem deixa uma importante missão a cumprir, ou, simplificando ainda mais, de quem tem um trabalho a exercer e posterga sua realização. A alma enclausurada sopra seu desejo de liberdade em nossa insônia, em nossos sonhos, em nossos pesadelos, em nossas dúvidas e decisões. É como presenciar o horror de observar um semelhante preso e torturado que implora por clemência. Só é possível livrar-se dos apelos da alma escravizada libertando-a.Pensar a educação é (só pode ser) pensar no processo de libertação da alma. Do educando e do educador. Técnicas e informações fazem parte, tanto quanto o corpo, do conjunto material. Transmitir o conhecimento material com didática e competência, por si só não faz de ninguém um grande educador.Um grande educador deve estar em busca de abrir a caixa de sapatos na qual a alma é prisioneira. Deve ser alguém que mostre aos educandos seu exemplo de busca espiritual, e que compartilhe com todos o desejo de devolver à alma seu papel primordial na existência humana. Educar é procurar, junto dos aprendizes, a chave que abre as portas da prisão que esconde nossa essência mais verdadeira. Educar é buscar coletivamente a liberdade.A educação verdadeiramente democrática, processo no qual a busca pela liberdade da alma é uma constante, torna-se um imenso desafio para alunos e professores que nela mergulham com abertura e desejo sincero de encontrar a essência da vida. Isso acontece porque, normalmente, estamos protegidos por nossas cascas culturais, morais e hierárquicas (grossas caixas de sapato). E a alma, quando aparece, não é bonita nem feia, não é boa nem ruim. A alma é a alma, e pode colocar todo um processo de educação democrática em xeque caso não haja sinceridade, disposição e consonância nos objetivos da jornada a ser percorrida por educadores e educandos. De toda forma, é um desafio que vale a pena. Pela minha experiência, não há ser humano que resista indefinidamente a um processo de busca espiritual. Essa busca acaba unindo todos os corações envolvidos no ensino e no aprendizado numa única energia. E essa energia sempre se mostra carregada de afeto, de verdade, de harmonia e de paz. O grupo de educadores e educandos deixa de estar contido no conjunto material e passa a ser o conjunto espiritual. Será que esta é, afinal, a face da alma quando liberta da caixa de sapatos? Ainda não temos certeza, afinal, estamos começando a aprender a olhar pra ela. Mas sem dúvida alguma ela cria uma imagem forte, icônica, correspondente à do pássaro ao qual se devolve o vôo.Henry Grazinoli

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

primeiro podcast: sobre "ser gente" e de novo o leminsky...- CLIQUE NESSE TÍTULO PARA IR PARA O PODCAST!

E aí eu achei que essa história de ser gente tinha saído totalmente da minha cabeça...

e esse podcast maluco que eu gravei há quase um ano e nunca tinha encontrado eco no mundo...

e aí aconteceu um monte de coisa na escola de santo andré, e quando ouvi o podcast novamente um monte de coisa começou a fazer sentido de novo....

e pra completar o Henry, ao ler um post do blog, me traz a frase que não conhecia conscientemente, e que só podia ser mesmo do leminsky:

"esse negócio da gente querer ser exatamente o que a gente é ainda vai nos levar além"

espero que gostem do podcast. Quem sabe não me inspiro a fazer outro....


bjo!!

Mo

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

As palavras certas, o lugar certo.

Educar é construir um espaço íntimo e lúdico, entre eu e você, aqui e agora, não importa o tempo-espaço.

Meus alunos sempre gostaram de aprender com as histórias da vida. Acho que nascemos "talhados" para as emoções narrativas...

Crônica

Década de 80. Eu era criança e minha casa se parecia com uma galeria de arte. A parede quase não se via, debaixo de quadros de todos os tamanhos e cores de moldura.

A estante de livros ficava em frente ao sofá, no qual eu des-assistia televisão, de ponta cabeça. Aprendera a ler há pouco, juntando as sílabas das palavras nas lombadas dos livros dessa estante. Nunca soubera até então onde ficavam os acentos das palavras, e lia encantada "Stanislavskí". Com acento no final. E lia e relia outros títulos misteriosos...A volta do parafuso...ele iria retornar?...de onde?....ah....será que é porque o parafuso dá voltas?....pergunte ao pó...como assim?...o pó não sabe nada!...que sabe da vida o pó?...Fante...Elefante, Fanta, John fanta, John Fante Elefante.....Andorinhas de Simone de Beauvoir.....be-au-vou-ir...vou ir, andorinhas....O Zen e a Arte de Consertar Motocicletas.......e eu imaginava o monge desmontando pacificamente todas as motos.....

O divertido da história toda foi, recentemente, comentar isso tudo com a minha mãe e ela, encucada, ficar tentando descobrir a que livro da Simone de Beauvoir eu estava me referindo, até as duas descobrirmos, juntas, que se tratava de "O mandarim" - e que as andorinhas ficavam realmente por minha conta...

Flash Forward, alguns anos depois....

E aí eu tinha onze anos e estava descobrindo a poesia. Encantada por Paulo Leminsky. Poesia existia, e chamava Paulo Leminsky. Leminsky era uma daquelas lombadas, ficava perto do Stanislavskí na estante....Mas o livro era meio diferente, por vários motivos. Primeiro, ele era enorme! Parecia um livro de escola, livro de arte....A capa parecia feita de xerox ampliado; a tinta da impressão aparecia com todos os defeitos. O nome do livro era enorme....nem parecia nome de livro. Era tão grande que nem tava escrito na lombada. Chamava alguma coisa bem maluca, tipo:
"Não fosse isso era menos
Não fosse tanto era quase"
E isso estava escrito na capa, bem grandão, estouradão, num formato que lembrava o que pouco depois eu iria descobrir se chamar hai-cai.
Além disso, esse era um dos livros da estante de casa que tinha uma coisa especial: era assinado pelo autor e dedicado a minha mãe. Então ela ficava uma arara quando eu levava escondido pra escola. Por algum motivo bem auto-destrutivo porque não havia uma só criança que compartilhasse, naquele momento, da minha paixão recém descoberta por ele, e pelos Beatles.

Havia mais dois livros assinados cujos autores curiosamente eu fui descobrindo ao longo dos anos: um de um poeta fantástico chamado Chacal, que eu aos 12 ou 13 anos iria descobrir e me fascinar...e outro de um camarada chamado Caetano Veloso, "Alegria, Alegria".

O Caetano Veloso era uma figura meio mítica pra mim. Minha mãe tinha vários vinis que eu adorava, especialmente o "Cores e Nomes" e o "muito", e desde criança ouvia ambos repetidamente. A capa dos discos sempre me intrigou muito, e eu a sexualidade dele pra mim sempre foi um mistério.

Lembro de ainda ser criança e me fascinar com a voz do filho do Caetano naquela música, qual mesmo....? Ilê ayê....e pensar, bom ele tem um filho, canta o amor por várias mulheres, ok....e daí ouvir músicas como Menino do Rio e ficar tentando entender porque ele cantaria isso para um menino. Lembro de conversar com minha mãe sobre isso, talvez a primeira conversa sobre homossexualidade, e de ela me explicar que todo homem tem um lado feminino e tal. Acho que essa parte propriamente dita eu fui entender muitos anos depois, ouvindo Super Homem do Gil, e entendendo que na verdade essa história de yin-yang está muito além da sexualidade do Caetano....

Mas me lembro muuuuuito bem da imagem do caetano de sunga de crochê e do "calor que provoca arrepio", e tudo isso na minha cabeça de uma maneira bem pasolini....Acho que o Caetano e seu jeito aberto de falar da sua sexualidade me inspirou muito na forma de lidar com minha própria....imaginar que um cantor público como ele poderia ter a liberdade de exaltar um menino do rio é criar uma imagem muito poderosa para uma criança....

E aí estou contando tudo isso para dizer que pouco depois de descobrir o Leminsky, comecei a estudar poesia na minha escola, que não por acaso se chamava oswald de andrade. Comecei, claro, pelo próprio, e em pouquíssimo tempo estava fascinada com os modernistas.

Comecei escrevendo para a aula de redação, que chamava-se algo como "Comunicação e Expressão"(porque as pessoas tem a mania de tucanar as coisas...). E logo escrevia poesia a torto e a direito.

A professora, Ana Cláudia, dava estímulos interessantes para que escrevêssemos. E num desses exercícios escrevi um poema que chamou sua atenção. Ela leu e me disse: - Guarde esse poema e releia daqui a muitos anos. Você só vai entendê-lo de verdade daqui a muitos anos. Não guardei, mas decorei, pois era simples e dizia muito sobre mim, na época e agora.

Ele era exatamente assim:

"Penso muito bem antes de fazer as coisas.
Mas não penso antes de comer as coisas.
Da comida eu gosto de sentir o gosto.
A coisa eu gosto de fazer certo."

Passei anos meditando sobre o poema sem entender do que a Ana Cláudia falava. E esqueci por muitos anos. Outro dia lembrei dele e de repente me caíram fichas e um telefone público na cabeça.

Existia e ainda existe dentro de mim essa cisão, esse ying-yang profundo e integrado, essa dimensão racional que tantas vezes se distancia do corpo, que não pensa.

Uma criança sabe tudo. A vida se encarrega de estragá-la.

Entre um tempo e outro relatado nessa crônica, eu estudava na vila madalena e muitas vezes caminhava até o atelier de uma amiga da minha mãe, artista plástica, a Rozélia. Entre a escola e o atelier ficava, aliás ainda fica, o mítico empanadas...E foi lá que, com minha mãe e seus amigos, eu muitas vezes ficava depois da escola, ouvindo suas conversas de adultos artistas e poetas, sobre a vida, a política, a cultura. Muita política e muita cultura.

Numa dessas estadas no Empanadas minha mãe me chama e diz: taí filha, deixa eu te apresentar uma pessoa....esse é aquele poeta que você gosta, do livro grande...daquele poema que você decorou....

Ele sorriu pra mim. O bigode era fenomenal. Perguntou seu eu gostava de seus poemas e eu disse que gostava especialmente de um. Minha mãe avisou que eu sabia de cor, porque gostava de recitar para as pessoas. E então disparei o poema, cara a cara com seu autor, certamente sem imaginar o efeito cômico da cena. 9 ou 10 aninhos de pura cara de pau, olhando para o meu ídolo Paulo Leminsky:

"O Paulo Leminsky
é um cachorro louco
que deve ser morto a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
fazer chover em nosso piquenique".

Esse é o poema da minha vida. Leminsky implodiu a si próprio, e botou lenha no meu fogo. Nunca parei de escrever. Ás vezes escrevo em cinema, só pra variar. Ou tento fazer das minhas aulas uma espécie de poesia.

Tudo isso pra dizer que.....

As lombadas dos livros da minha mãe falam mais da minha história do que meu currículo vitae. Minha sala de aula foi minha vida. A escola mais atrapalhou que ajudou, sorte que eu nunca gostei de guardar caraminholas e sempre soube o que queria.

Aprendi a ser gente lendo lombada, desrespeitando meus ídolos, redescobrindo as referências da minha infância. Só espero dar aos meus filhos, ainda vindouros, as mesmas oportunidades.

Chove Chuva. Pela poesia, os poetas loucos e as bibliotecas inspiradoras....

bjs,

Moira

PRA QUE SOMAR SE PODEMOS DIVIDIR?

Oi gente
com muita alegria escrevo meu primeiro textinho aqui no ouroblog.
dei uma navegada pelo bebo e pelo próprio ouroblogue. com alguma dificuldade, confesso. quase tenho vergonha da minha inaptidão para esses recursos virtuais, por mais simples que sejam. nem parece que sou quase filho da geração internet. acho que, no fundo, é simples entender minha limitação: ela se chama preguiça. na verdade eu tenho uma BAITA preguiça. e costumo fugir, costumo não participar de comunidades,de blogs, de sites de relacionamento, etc, etc, etc.
mas no caso da ouroboros é muito diferente.
há um ano e meio eu recebi um convite da Moira Toledo pra dar aula de roteiro num curso coordenado por ela. sequer nos conhecíamos pessoalmente. falamos por telefone e com sua empolgação habitual ela me convenceu a aceitar o convite. nos conhecemos dias depois, numa reunião com todos os professores que dariam o curso. eu tinha acabado de chegar a São Paulo e, naturalmente, não conhecia ninguém.
capitaneados pela Moira começamos a reunião e rapidinho eu me senti em casa. coisa louca isso. eu que andava meio perdido (o que me parece coisa muito comum a qualquer pessoa que vem de uma cidade menor para viver em São Paulo) de repente estava em casa, no meio de uma porção de pessoas que eu nunca tinha visto. fizemos a reunião. eu dei a aula. e a minha vida nunca mais foi a mesma.
firmei com o coração uma parceria com a Moira e com todos os integrantes da Ouroboros. assinei um contrato cósmico com essa turma. e desde então trabalhamos juntos.
um dia desses fiquei pensando na minha relação com a equipe da ouro. e percebi que, desde aquela primeira reunião, o que prevalece nessa equipe é um afeto muito bonito, uma política de dividir e não de somar. naquela reunião eu não era MAIS um professor, eu era O professor que todos queriam conhecer e por quem todos queriam ser conhecidos. a idéia era dividir informações, pontos de vista, opiniões sinceras, sentimentos, sempre com o objetivo de construir um trabalho coletivo e, acima de tudo, humano.
quase dois anos depois eu posso dizer que a Ouroboros permanece nesse caminho. posso dizer que nos dez anos que tenho como profissional do cinema nunca vi nenhuma empresa aliar alto nível de conhecimento e apuro técnico com alegria e amor. posso dizer que essa filosofia de trabalho faz da ouro a empresa mais qualificada que eu já conheci para desnvolver projetos em arte e educação. e posso dizer, pra terminar, que qualquer pessoa ou empresa interessada em desenvolver um trabalho de qualidade, com características criativas e singulares, DEVE procurar a Ouroboros. A ouro é uma empresa para a qual os meios são tão importantes quanto os fins. e nessa batida ela vai construindo sua trajetória de sucesso profissional e de riquíssimas relações humanas.
nas comunidades virtuais da Ouroboros eu não tenho preguiça de participar. de verdade. afinal, elas são uma ponte pra que eu possa ficar, de onde quer que eu esteja, mais pertinho de todos esses amigos profissionais que admiro e amo.
boa sorte pra todos nós
muita paz

Henry Grazinoli